EDUCAÇÃO E FUTURO…

Publicado: 08/09/2015 em Educação
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Microensaio prótese

Tenho lido, ouvido e assistido muitas discussões sobre Educação. Eu mesmo, às vezes, me atrevo, nos meus vinte e tantos anos de vivência em escolas públicas,  fora o tempo de estudante, a fazer intervenções e críticas sobre o tema.
Desta vez quero me ater a dois princípios que regem a Educação, primeiro institucionalmente enquanto uma política pública que pretende responder aos direitos dos indivíduos, mas com vistas ao desenvolvimento do Estado e de seus interesses. Ele (Estado) que procura vencer desafios imputados pelo desenvolvimentismo e pela competição, ao meu ver desnecessária, ambas apresentadas como a direção inquestionável a seguir, como a resposta necessária e suficiente para todos os males da modernidade, ou, no mínimo como modo preventivo para o não retorno à barbárie, uma contradição imanente, dado que as guerras produzem desenvolvimento, binômio que de acordo com Eric Hobsbawn vem movendo as nações desenvolvidas desde a primeira metade do século XX.

Dados estatísticos parecem comprovar e apontar a eficácia da Educação em fomentar e incrementar o desenvolvimento do povo de um país, e que por esta se pode alcançar patamares satisfatórios e colocar-se, a partir de então, dentre os competidores, como um dos melhores e capazes do mundo. Entretanto, estas mesmas estatísticas não dizem que há diversos modos de desenvolvimento, e que estes se alcançam de formas diferentes e em diferentes estágios, espaços e tempos. E que a educação prima pelo respeito e pelo conhecimento do outro, e que por isso mesmo não o exclui como o método competitivo que dita a regra preconiza.

Temos o desenvolvimento tecnológico como sendo o de ponta, o mais avançado, o mais preferido e a ser alcançado pelas nações. Foguetes e transportes marinhos e terrestres, sondas nucleares, ‘bionanoengenharia‘ genética, domínio das ondas e das partículas criadoras do universo, armas e telecomunicações etc… O populacho de espírito frágil se encanta com os aparelhos de telefonia móvel e seus apps, teoricamente facilitadores da vida moderna, suas interações com outros utensílios domésticos, com os automóveis, e ajoelhado na frente da tv ou do computador (modelos que já se vão despedindo da modernidade pela obsolescência programada) sonha com viagens mais distantes. De fato, estes artefatos da indústria moderna nada mais são do que o lixo, ou o restolho da tecnologia de ponta.

Tudo o que o mercado faz é aproveitar do conhecimento emanado e produzido pelo circuito educacional vigente, selecionar o que melhor lhe convém e investir pesado na publicização destes processos, favorecendo uma nicho da indústria contemporânea. Assim, comunicações e transportes disparam na frente e são os ponta de lança desta corrida, rumo ao futuro sem rumo. Todo o resto da cadeia produtiva fica à deriva ou na dependência, e às vezes na contra-mão desta disposição competitiva, e para não perder tempo e terreno adere à moda, ou ‘surfa na onda’, como diria um técnico publicitário. A Educação não se encontra fora do sistema, adapta-se para não se perder (mas já se perdeu) e procura acompanhar o fluxograma indutivo dos detentores comandantes dos processos e suas diretivas com vistas ao mercado e aos lucros. Aí tudo se mistura e o reino da quantidade se instaura(*1).

O carro certo para combinar com o mobile ideal, a roupa, o lugar, a bebida, o tipo de corpo e a forma da mulher, com o relógio de pulso e o cartão de crédito, e a conta de seis dígitos no banco mais, aquele esquema que vai te proporcionar as férias perfeitas com a alimentação correta e balanceada que seu corpo precisa para você, usando as marcas certas tornar-se cobiçado, invejado, querido, preferido entre os milhões de seres sem face, os que estão circulando sem direção exata, perdidos na multidão sem função definida, deseducados, feios, esquecidos, abandonados e muito distantes do paraíso artificial para onde tudo aquilo lá em cima te remeteu.

E aqui, dentro da ‘mistura fina’ que a sociedade da quantidade reinante promove, entra a novamente a Educação como método, processo, condição essencial para que o indivíduo alcance seus fins, a percepção individual das suas necessidades como resultantes dos conflitos internos e do jogo das contradições que o formam, ao observar a sociedade sem compreendê-la, às pessoas, o planeta, a natureza restante, os recursos pessoais seus e os coletivos, mundiais, a concentração destes nas mãos de poucos, a distribuição não equilibrada, o fomento de crises contagiosas e tudo o mais que se lhe chega sem que tenha solicitado, pedido, misturando-se aos meios e deturpando seus fins, obrigando-o a novas necessidades, não necessariamente suas por princípio, mas que além de responder e induzir ao modelo que a sociedade criou e determinou como sendo o melhor, o da posição certa, no lugar certo, na hora certa, tapam-lhe o sol, turbam-lha a visão, impedem-lhe a crítica e não lhe traz nem lhe dá satisfações e oportunidades de fugir desta direção do discurso único, de mudar o rumo e escapar da sociedade baseada em desejar, esforçar-se, consumir, usar e descartar para se tornar o número um, o destaque entre tantos… O espermatozoide que vai fecundar a nova era em uma fêmea perfeita, limpa, saudável, fértil… Os ícones confusos e vazios da contemporaneidade…

Daí que tenho lido, ouvido e visto muitas discussões sobre Educação: uma que prima pela necessidade de criar as condições ideais para que os indivíduos se projetem socialmente e projetem as suas necessidades, o papel da política social de estado que deve gerir tais condições na sociedade, torná-la produtiva como um todo para que participem da novidade, do progresso, do desenvolvimento, obviamente nas mãos de gente despreparada, irresponsável e irrresponsiva e, por isso mesmo, dona da criação de subsistemas inócuos, incapazes de produzir indivíduos pensantes numa sociedade capaz de mudar este rumo, e, por outro lado, aquilo que o indivíduo responde ao estímulo dado, a criação de uma postura contrária à provocação constante e sua capacidade de resistência à aderência, a anemia espiritual que não se opõe ao consumo destes objetos e ideias, num mundo curioso, repetitivo, enfadonho, cada vez mais feito para servir, mas que ainda são produzidos por mãos humanas (muitos processos de inteligência artificial já substituem a intervenção direta do homem – máquinas produzindo máquinas), até o momento em que aqueles deixarem de ser necessários…

 

Eric Hobsbawn – A ERA DOS EXTREMOS – O breve século XX 1914-1991
Tradução: MARCOS SANTARRITA
Revisão técnica: MARIA CÉLIA PAOLI
2° edição 9ª. reimpressão
COMPANHIA DAS LETRA

*O reino da Quantidade e o Sinal dos tempos – Renè Guenon. Paz e Terra – 1987

 

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