É POSSÍVEL SER ESCRAVO NO PRÓPRIO PAÍS (…?)

Publicado: 03/02/2019 em Educação e política

BRASIL 1500\2016\2019

“Se dou comida aos pobres sou santo,
se procuro entender as raízes históricas e sociais desta pobreza sou comunista.”
(
Dom Helder Câmara)

 

Quando os portugueses chegaram ao Brasil em 1500 levaram algum tempo para descobrir o quanto e como poderiam explorar a terra. Silvícolas, moradores locais e milenares, a quem chamaram de índios por erros de interpretação, os acharam estranhos, fedidos, feios e mal vestidos! Claro, aqueles brancos estavam há meses no mar, sem banho, sem trocar as cuecas e as roupas de baixo. Dormiam uns sobre os outros, alimentavam-se de comida velha e possivelmente estragada, faziam suas necessidades colocando a bunda para fora do navio e não se limpavam, e ainda conviviam animosamente com galinhas, porcos, cabras, pulgas, ratos e insetos outros comuns na Europa, mas estranhos à nova terra; baratas, percevejos, carrapatos (talvez) e outra fauna invisível, sem falar dos fungos, um reino pra lá de especial que não é nem planta nem bicho, mas são capazes de produzir as mais absurdas e destrutivas doenças.

Ainda assim, a índole e a recepção dos moradores originários da terra lhes foram favoráveis e foram aceitos entre estes como seres naturais; diferentes, mas naturais, ou seja, eram do mesmo planeta, ainda que não os classificassem desta forma, cremos, mas tinham cabeça, trocos e membros, humaniformes… Fizeram trocas, negócios no dizer moderno. Machados de metal (uma evolução para quem vivia de madeira e pedra), facões, panelas de ferro, espelhos, (além de doenças fatais para as quais aqueles seres autóctones não tinham defesas), coisas consideradas quinquilharias para os portugueses que vieram atrás de ouro, prata, pedras preciosas, minerais e vegetais como árvores de pau brasil e, em seguida cana de açúcar, e depois, ainda a considerar os saltos históricos dados no e pelo tempo e evolução, o café, a soja, o milho, inúmeras frutíferas, gado criado em pastos livres e outros minérios, muito minério (bauxita, nióbio, urânio, petróleo…) Não vieram conhecer a terra, vieram explorar as suas riquezas e os seus recursos, materiais e humanos.

Aos “índios” que se rederam aos “encantos” da nova gente foram dadas oportunidades de negociarem, em condições “favoráveis” diretamente com os brancos invasores. Cortar as árvores de pau brasil e deixar as toras nas praias em troca das quinquilharias era bem aceito pelos recém-chegados, mas aos que não aceitaram foram-lhes aplicados castigos, perseguições, prisões e morte – houve genocídio – tribos inteiras foram dizimadas, fizeram guerra de extermínio, porque afinal aqueles selvagens não tinham alma, não eram humanos e estavam atrapalhando a tomada da terra, seu uso e utilidade para cavar o ouro, a prata (nunca muita), o ferro, as pedras preciosas etc… Índios não plantavam lavouras, não construíam estradas, não criavam gado, ou cidades, então para que precisavam viver, pra que precisavam da terra?Eram mesmo inúteis!

Com este pensamento iluminando a coroa portuguesa, o rei levou o país sob duro tacão e pólvora durante décadas, até que decidiu liberar os índios da escravidão, afinal era povo ruim para cuidar da terra, mas, na África, chegavam notícias das colônias ultramarinas, a Cia. das Índias Ocidentais disponibilizava a bom preço gente “disposta” a fazer o trabalho. Era só convencê-los, de uma forma ou de outra, a se mudarem para o novo continente. Alugavam-se os navios, pagava-se o frete e traziam a mercadoria. Coisa boa! Nem todos, é claro, sempre tem uma fruta estragada na cesta, mas…E a escravidão negra africana substituiu a escravidão indígena brasileira. O resto todos quase já sabem de cor. Escravidão é escravidão!

Quem se submetesse tinha certas regalias, apanhava menos, não seria preso por olhar nos olhos, poderia ter uma galinha, plantar umas árvores, chegar mais perto da fazenda do branco senhor da terra e de suas posses, suas ‘propriedades’, dos seus recursos, e ás vezes até do ‘proprietário’ e de seus próximos. Os que não aceitassem, assim como os índios, seriam caçados, presos, torturados e executados. Para a grande maioria era melhor sobreviver sem uma perna, sem um braço, sem os dentes ou cego do que morrer de pauladas, chicotadas, prensado na mó. Muitas vezes, suprassumo da desonra ocorria de ser devorado por cães no meio do mato, insepulto! Voltar para a África, sua tribo ancestral, seus pais e avós era quase impossível. Um sonho. Aos que chegaram o destino, fiquem e sobrevivam… O poeta Dante Alighieri escreveu algo parecido na entrada do Inferno (ele chama de Dite, a sempiterna cidade), o primeiro livro de sua trilogia da Divina Comédia: “abandonai toda a esperança…!”

Estes sobreviventes criaram as favelas, como as sabemos hoje. Os índios retornaram para as matas ou retomaram, de alguma fora, o controle sobre o que sobrou das suas terras naturais. Mas, quem não era natural da terra teve de se virar de outra forma. Com a abolição foram parar nas favelas, e nelas não vivem só os negros, os pardos, os mestiços, os mamelucos, os caboclos. Também os “brancos” (os mestiços mais claros, digamos) estão por lá hoje, em menor número, claro, mas também imersos nesta condição socioeconômica abaixo da linha de pobreza: dizem as estatísticas do IBGE (SIS 2017) que juntando todos estes brasileiros – nascidos aqui, provavelmente a partir de 1540 (em PE.) quando os primeiros negreiros chegaram, registrados em cartórios sob os mesmos códigos de leis, obrigados a votar e a prestar serviço militar – somam atualmente a mais de 54 milhões de pessoas (uma França inteira), e, deste país “invisível”, mas real, sujo, ignorante e esfomeado, cerca de 40% (uns 20 milhões de pessoas – duas vezes a população da Bélgica, ou um terço da população do reino Unido, ou um quarto da população da Alemanha), são jovens e crianças até 14 anos que não chegam a concluir o primeiro grau básico da educação escolar e já “trabalham”. Gente fácil de enganar e apta a se submeter a exploração dos mais inteligentes, dos mais capazes, dos brancos que merecem, porque estudaram, tem berço, educação em casa etc…

Da população adulta que trabalha, ou seja, aqueles que se submetem aos três paus diário (a palavra trabalho deriva do latim tripalium – castigo que consistia em três paus em forma de triângulo, fixados ao solo, no qual eram amarrados de cabeça para baixo os “inimigos” do império romano), o salário máximo gira em torno de R$ 243,00 mês, algo próximo a R$ 8 por dia. Os que têm menos de 16 anos de idade ganham cerca de R$ 5 ao dia. Se for mulher (menina) chega a ganhar até 45% a menos.

Sem direito à terra (são muitas vezes expulsos de seus sítios de origem pelas condições sociopoliticoambientais e pela ganância do mercado atual, dito agrobusines, ou lá permanecem se submetendo às exigências dos grandes proprietários que exploram sua mão de obra); sem educação: as escolas públicas não são feitas para atendê-los em suas necessidades de aprendizado primárias, além da péssima estrutura e atraso tecnológico os professores são desestimulados por salários baixíssimos e políticas repressivas, e nem todas oferecem merenda escolar, ou se oferecem são de baixa qualidade alimentar, fatores conjuntos que acabam por induzir ao abandono dos estudos logo no primeiro ano. Some-se a isto o trabalho indigno, precarizado sem a proteção das leis (de 5 a dez reais por dia não sustenta dignidade alguma; ração para cães custam mais caro); sem moradia: casas de barros, barracas de taipa, barracos em favelas de pau a pique, ou madeira e papelão, tijolos e argamassa em encostas de morro ou nas beiras de córregos\esgotos, sem água tratada, sem saneamento básico; 55% das cidades de país não tem acesso ao saneamento básico – são dados que não levam\chegam a constituir um lar ou uma residência. Tudo isso traduz uma ridícula e cruel condição de saúde: são deixados em corredores de hospitais sem tratamento\atendimento, ou morrem nas ruas, como animais.  Assim, são escravos em seu próprio país, e não diferem dos animais indesejáveis, são tratados como inimigos do estado, pela polícia, pelas milícias, pelos coronéis, pelos juízes, pelos donos dos negócios, pequenos, médios e grandes empresários e políticos oportunistas e mal intencionados que usam de cargos públicos para manter e até aumentar a distância que os separa deste povo.

Ainda assim, resistentes, esta gente suporta e sobrevive, mas não tem a menor ideia de como sair desta condição. Se isto não for suficiente para explicar, não sei o que será! Mantê-los nesta subcondição existencial é um grande e lucrativo negócio para muita gente dentro e fora do país.

As recentes alterações feitas nas leis trabalhistas, as flexibilizações e desregulações aprovadas pelo governo do Sr. Michel Temer que manipulou institucionalmente, e em absoluto descompasso com as necessidades do país, o jogo mesquinho partidário levado a cabo para depor o governo da sra. Dilma Roussef, e as novas condições mantidas e agravadas pelo seu sucessor eleito Jair Bolsonaro, deixam claras algumas das impressionantes contradições do país e o tamanho do buraco onde se meteu, com a aventura das eleições de 2018 e para onde caminha um quarto de sua população.

Se antes de 2016 as políticas públicas, apesar dos problemas, apontavam para mais educação, mais médicos, mais moradias, mais trabalho, mais dignidade (dados mundiais auferidos por organismos confiáveis indicavam a saída do país do quadrante do mapa da fome), pleno emprego, criação de universidades e acesso aos estudos para um número significativo de alunos pobres ou de baixa renda, passos iniciais para um crescimento e desenvolvimento saudável, sustentável, atualmente no fim de 2018 e incio de 2019 o que vemos são discursos e práticas condenáveis e contrárias a estas soluções que contam com absoluto apoio de mais de 50 milhões de eleitores, empresários, militares, bancos, imprensa, neopentecostais, sistema jurídico, político, “tudo junto”!

Tais dados e as informações que nos chegam indicam que ou estão redondamente enganados, ignorantes e hipnotizados por uma falácia criminosa, cuja consequência será o atraso do país em mais de cinquenta anos na história, no mínimo um salto para trás, no escuro do medievo, ou estes eleitores e apoiadores querem um Brasil como Hitler um dia quis a Alemanha: branco, puro, limpo, rico, cheiroso, organizado, e que para isso tanto faz se tivermos de matar nossos 54 milhões de “escravos”. Ou, custa-me a crer, os mentores, executores e os eleitores deste projeto esdrúxulo são por natureza (sic) uma espécie predatória, não humana, sem o verniz civilizatório da religião cristã fundamental.

Para eles “bandido” bom é o morto! Considerando bandidos, dentro da ótica ‘particularissimamente’ ignorante ou cruel por natureza (imperialistas, escravagistas, fascistas, capitalistas), se é que é possível, todos aqueles que desde os índios e os negros que há 5 séculos atrás se negaram, por força do orgulho, da fibra moral e honra interiores, a se curvarem sob o chicote do mais forte, do opressor “proprietário” da terra e de seus recursos! Posso até imaginar a pobreza que gera bandido como uma cultura controlada, um criatório, como galinhas, gado, cavalo. Ainda assim, saber não significa que concorde, ou aceite. Não!

Você não quer esta mancha na sua alma!? Quer?

 

Referências:

Dados oficiais de pobreza no país – por região, idade e outros critérios: – WWW.IBGE.GOV.BR

Dados oficiais de Saneamento básico por cidades\estados – WWW.TRATABRASIL.ORG

Idem – WWW.FENAE.ORG.BR –

Dados populacionais de países europeus – https://pt.wikipedia.org/wiki/Portal:Uni%C3%A3o_Europeia

Bélgica –  https://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%A9lgica#Demografia

França – https://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7a#Demografia

Dados e informes sobre desgoverno Temer e suas consequências eleitorais – qualquer jornal do mundo civilizado The Guardian, El País, BBC, New York Times, Publico PT, El Clarín, Folha de São Paulo, Le Monde etc…

ONU Brasil – https://nacoesunidas.org/onu-alerta-para-retrocessos-na-eliminacao-da-pena-de-morte-no-mundo/

ONU Brasil – https://nacoesunidas.org/onu-no-brasil/

ONU Brasil Trabalho escravo infantil – https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/06/Trabalho-infantil_final.pdf

ONU Brasil Direitos Humanos –  https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/06/UN-Position-Paper-Population-Rights.pdf

ONU Brasil – Negros e suas lutas por afirmação no Brasil – filmes\documentários https://www.youtube.com/onubrasiloficial

Indígenas no Brasil – https://nacoesunidas.org/situacao-dos-povos-indigenas-no-brasil-e-a-mais-grave-desde-1988-diz-relatora-da-onu/

IBGE Índios no Brasil – https://indigenas.ibge.gov.br/

 

 

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